No convívio em sociedade, as pessoas com deficiência passam por uma série de desafios rotineiros que envolvem diversas questões, do acesso à informação e educação à inclusão efetiva ao mercado de trabalho. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela lei n°13.146, de 6 de julho de 2015, também conhecido como Lei da Inclusão (LBI), é destinado a assegurar e promover condições de igualdade e o exercício dos direitos visando à inclusão social das pessoas com deficiência e seu direito a exercer sua cidadania.
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As políticas públicas da LBI se dividem em três principais eixos: direitos fundamentais, como educação, transporte e saúde, garantia do acesso à informação e a comunicação e a punição a quem descumpre esses pontos.
O Estatuto entrou em vigor modificando um conceito jurídico anteriormente utilizado: o da pessoa com deficiência como incapaz. Antes da LBI entrar em ação, pessoas com deficiência encontravam dificuldades burocráticas ao estabelecer união estável e exprimir suas vontades, e direitos sexuais e reprodutivos. A lei tornou o conceito inválido e ele foi substituído e alterado no Código Civil.
Outro direito fundamental garantido, que foi colocado em debate recentemente devido ao Decreto nº 10.502, é o da educação inclusiva, que garante o direito ao acesso escolar em diversos níveis e modalidades, com escolha e progresso de acordo com o desenvolvimento necessário do estudante. Estabelecendo que as instituições privadas também devem cumprir com todas as políticas de inclusão, sendo proibida a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza.
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A LBI também criminaliza condutas que podem prejudicar o direito e a liberdade das pessoas com deficiência, como discriminação ou abandono, conduta que se aproprie ou desvie bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência, acarretando pena e/ou pagamento de multa.
Esses são alguns dos direitos assegurados pela legislação brasileira, considerada uma das mais avançadas no mundo no que tange à inclusão das pessoas com deficiência, mas que ainda precisa de avanços, segundo Marinalva Cruz (Secretária Adjunta da SMPED). Para ela, a lei não assegura de forma efetiva a participação plena das pessoas com deficiência. Já para Leo Castilho (ativista e educador surdo), falta acesso à informação para que a pessoa com deficiência possa dialogar com a sociedade e participar de debates políticos.
Entrevistamos esses dois ativistas e profissionais especializados em inclusão e acessibilidade para compreender o cenário atual da legislação brasileira, principais desafios e necessidades da comunidade com deficiência, assim como formas de ativismo e de organização do movimento no Brasil e em outros países.
Abaixo, confira uma entrevista com Leo Castilho, ativista pela inclusão de pessoas com deficiência e que trabalha atualmente no Museu de Arte Moderna de São Paulo como educador surdo.
Descrição da imagem: Leo está em frente a um fundo amarelo com os dois braços levantados e dobrados na altura de sua cabeça, ele é um homem negro, de cabelo black power e usa uma camiseta vinho com um colar prata.
Em relação a outros países, tem algum país que você considera exemplo na questão de leis de inclusão e acessibilidade? Por quê?
Posso dizer somente alguns lugares que eu já presenciei, por exemplo, em Londres, muita gente se preocupa com a pessoa com deficiência, já participei em alguns grandes festivais como Festival Clin D’oeil, que é um dos maiores festivais de surdo do mundo, onde há encontros com pessoas surdas artísticas do mundo inteiro, tem instituições que investem nas pessoas com deficiências, para quebrar tabu. Alguns países exigem implantar legendas e intérpretes de língua de sinais em todas emissoras de TV.
Como você acredita que a falta de representatividade de pessoas com deficiência na política e setor público afeta na criação de políticas públicas de inclusão e acessibilidade?
Todos os anos na época de eleições, sempre surge algum candidato com as propostas para pessoas com deficiência, mas sem representatividade, até hoje não vejo algum candidato fortalecer as propostas, o que dificulta a nossa confiança nos processos das políticas. O problema é que muitas pessoas surdas não conseguem ter acesso às informações, e também existem muitos que não conseguem acompanhar. Infelizmente com essa questão, até a comunidade surda sofre a polarização.
Como você trabalha seu ativismo?
Eu trabalho no Museu de Arte Moderna de São Paulo, sou educador surdo, acredito no poder da língua de sinais e sua representatividade. Meu trabalho me incentivou a produzir festas como Vibração e Bloco Vibramão com a equipe surda, com o objetivo de trazer lazer, conhecimentos, encontros, valorização, enquanto isso eu e a equipe do Corposinalizante fundamos o “Slam do Corpo”, que é uma batalha de poesias entre português falado e libras sinalizadas, isso trouxe muitos ouvintes e surdos, e também pessoas com deficiência a se unir, respeitar um ao outro, dando espaços para nós.
Abaixo, confira outra entrevista. Desta vez, com Marinalva Cruz, secretária adjunta da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo.
Descrição da imagem: Marinalva é uma mulher branca de cabelos curtos na altura do pescoço e usa óculos, uma blusa preta de mangas compridas e saia xadrez cinza. Está sentada em uma cadeira preta e há uma janela atrás dela.
Como você encara a lei brasileira de inclusão e os direitos de pessoas com deficiência aqui no Brasil?
Sem dúvida, a Lei Brasileira de Inclusão – LBI (13.146/2015), assim como tantas outras leis, incluindo a própria Constituição de 1988, são fundamentais para garantia dos direitos humanos das pessoas com deficiência, mas, na prática, os direitos previstos no ordenamento jurídico não garantem de forma efetiva a participação plena e efetiva de todas as pessoas com deficiência. Já avançamos muito e conquistamos alguns espaços, mas ainda falta conhecimento, acessibilidade, mudança nas atitudes e o entendimento que esse processo de inclusão é uma via de mão dupla, todos nós temos responsabilidades e podemos construir a sociedade justa e igualitária que tanto queremos.
Você acredita que as pessoas com deficiência têm acesso a ela? Acredita que elas compreendem quais são os seus direitos?
Na minha opinião, são poucas as pessoas, com e sem deficiência, que conhecem a legislação e sabe claramente quais são os seus direitos e entre aqueles que conhecem, muitos não sabem como ou onde recorrer para fazer valer os seus direitos, pois as leis nem sempre são claras e no caso da LBI por exemplo, muitos artigos carecem de regulamentação.
O que você acha que o país ainda precisa avançar em termos de direitos para pessoas com deficiência no país?
Primeiro é importante lembrar que a deficiência é apenas uma entre tantas outras características, que antes da deficiência existe um ser humano com direitos, deveres, qualidades, defeitos, habilidades e competências como as demais pessoas, portanto, para garantir igualdade de oportunidades é necessário eliminar as barreiras arquitetônicas, urbanísticas, comunicacionais, digitais, atitudinais, as barreiras no transporte público e privado, investir em acessibilidade, nos recursos de tecnologia assistiva e incluir a pauta das pessoas com deficiência em todas as áreas, levando em consideração, por exemplo, as questões relacionadas à faixa etária, gênero, raça/etnia, orientação sexual e localidade.
Quais seriam as melhores estratégias para avançar na criação de políticas públicas?
Para além de considerar a interseccionalidade das pessoas com deficiência, faz-se necessário promover o protagonismo do cidadão com deficiência, ampliar o diálogo com a sociedade e o trabalho intersetorial e intersecretarial, levando em consideração todas as especificidades da pessoa com deficiência.
Como você acredita que o setor privado pode contribuir?
Todos têm um papel importante nesse processo de garantia dos direitos, garantia de igualdade de oportunidades e com equidade e o setor privado, além de contribuir tornando os seus espaços físicos, sites, aplicativos e comunicação mais acessíveis, podem ampliar as contratações de pessoas com deficiência nos programas de estágio, aprendizagem, trainee ou cargos efetivos, disponibilizar todas as vagas para todas as pessoas e o mais importante, ter consciência que a pessoa com deficiência também é um cliente, um potencial consumidor, portanto, respeitar e valorizar a diversidade humana é beneficial para todos os envolvidos.
Fonte: CPB